Lideranças pedem a saída do governo federal da Mesa de Conciliação no STF, que discute Lei do Marco Temporal; Mesa continua mesmo sem participação do movimento indígena
Na última semana, uma delegação de mais de 40 lideranças indígenas com representantes de 17 dos 43 povos do estado de Mato Grosso desembarcou em Brasília para cumprir uma série de agendas com órgãos dos Três Poderes. A incidência política dessas lideranças na capital federal buscava obter respostas sobre uma diversidade de demandas relativas aos direitos dos povos indígenas.
Em pauta, estavam a criação de uma nova Coordenação Regional (CR) da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no município de Confresa (MT) e o avanço dos processos que envolvem a demarcação e a desintrusão de pelo menos vinte terras indígenas.
Essas demandas encontram-se em etapas distintas do procedimento demarcatório, mas estão em sua maioria travadas pela Lei 14.701
Dentre elas, a Terra Indígena (TI) Urubu Branco, do povo Apyãwa Tapirapé; TI Tapirapé-Karajá, coabitada pelos povos Tapirapé e Iny Karajá; TI São Domingos, do povo Karajá; TI Xerente do Araguaia, do povo de mesmo nome; TI Maraiwátséde, do povo Xavante; TI Lago Grande/Rènôá Bero, do povo indígena Iny Karajá; TI Jaguari, do povo Guarani de Cocalinho; TI Kanela do Araguaia, do povo homônimo; TI Kapôt Ninhôre, do povo Kayapó, Yudja Juruna;TI Portal do Encantado, do povo Chiquitano e ainda TI Cacique Fontoura, do povo Iny Karajá.
Além destas, os territórios reivindicados pelos povos Wassú, Arara do Guariba e outras sete terras do povo Chiquitano encontram-se sem nenhuma providência de demarcação.
Essas demandas envolvem processos diferentes e encontram-se em etapas distintas do procedimento demarcatório, mas estão em sua maioria travadas pela Lei 14.701, conhecida como a Lei do Marco Temporal, e pela Mesa de Conciliação que discute no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) as ações que a envolvem.
Não à toa, a diversidade de reivindicações territoriais dos povos de Mato Grosso foram tocadas a partir da unidade de uma pauta que lhes é comum: o fim da Mesa de Conciliação criada em abril do ano ado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e a saída de membros do governo federal de sua composição.
"Quanto mais se prolonga essa Mesa, mais se prorrogam os direitos indígenas"
Para isso, ao longo de uma semana, as lideranças se reuniram com representantes do Ministério da Educação (MEC), da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério Público Federal (MPF), Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Ministério da Justiça (MJ) e da Câmara Federal.
"Nós, indígenas, não queremos essa Mesa de Negociação. Quanto mais se prolonga essa Mesa, mais se prorrogam os direitos indígenas", afirmou Antônio Xerente em uma das reuniões realizada com membros do MPI.
Tudo parado
Com a Lei 14.701 ainda em vigor e a continuidade da Mesa de Conciliação no STF, que debate as ações de constitucionalidade e inconstitucionalidade da normativa conhecida como Lei do Marco Temporal, muitos dos processos de demarcação encontram-se travados. São processos já historicamente afetados pela morosidade do Estado na efetivação dos direitos indígenas, que embora garantidos pela Constituição Federal, são alvo constante de negociação, agora sob a mediação da Suprema Corte.
"Nós somos contra essa Lei, nós pedimos que isso acabe logo, porque está tudo parado: está parada a demarcação, está parada a fiscalização, está parada a desintrusão, está parado o GT. E enquanto isso, o fazendeiro tá andando, o madeireiro tá andando. Eles andam e nós não podemos andar", protestou Daniel Apïimama Yudja Juruna, liderança da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhinore, em reunião com representantes do Ministério da justiça (MJ).
"Queremos que o governo faça valer o nosso direito e que as fiscalizações, as demarcações, os GTs continuem, essa é a nossa mensagem"
"Tudo ainda continua com a espera da situação da mesa de conciliação, dessa situação da lei, e nós não aceitamos essa Mesa de Conciliação, porque direitos indígenas não podem ser negociados, somos contra e queremos que o governo faça valer o nosso direito e que as fiscalizações, as demarcações, os GTs continuem, essa é a nossa mensagem", continuou a liderança.
Em agosto do ano ado, a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) se retirou da Mesa de Conciliação, que segue em atividade mesmo sem representação dos povos originários. Para o movimento indígena, com a Lei em vigor não é possível nenhum tipo de debate conciliatório que não venha pesar de forma negativa sobre os povos indígenas.
"A gente pede que todos os órgãos do governo se retirem da Mesa. Se querem continuar, que continuem sem nenhuma representação do governo"
Na carta divulgada pela Apib expondo as razões que a conduziram a sair da Câmara de Conciliação, a entidade frisou que a não declaração de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023 por parte do Tribunal era "uma sinalização nociva, a indicar incoerência e sujeição a pressões indevidas", como afirmou a entidade no documento.
Em Brasília, as lideranças questionaram a permanência do governo federal na Mesa de Conciliação e pediram sua retirada imediata. "O STF só precisa reafirmar o que já afirmou antes, no julgamento do marco temporal. A gente pede que todos os órgãos do governo se retirem da Mesa. Se querem continuar, que continuem sem nenhuma representação do governo. É preciso respeitar a decisão do povo", afirmou uma das lideranças Xavante presente na reunião com o MPI.
São representantes do governo federal na Câmara de Conciliação: a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério da Justiça (MJ), o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a Advocacia Geral da União (AGU).
Urubu Branco
A desintrusão da TI Urubu Branco também foi um dos pontos de discussão nos encontros com a Funai, MJ e MPI. A demanda do povo Apyãwa Tapirapé é antiga e encontra-se em um embróglio judicial desde 2003, quando o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com uma Ação Civil Pública (A) contra a permanência de ocupantes não-indígenas na TI de cerca de 167,5 mil hectares localizadas na região nordeste de Mato Grosso.
As lideranças também destacam a morosidade do Estado em cumprir os prazos determinados pela Justiça
A Justiça Federal determinou a desintrusão dos ocupantes não indígenas da TI, mas uma série de medidas judiciais estabelecidas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) tem impedido o cumprimento da ordem de retirada dos não-indígenas.
As lideranças também destacam a morosidade do Estado em cumprir os prazos determinados pela Justiça. Para os indígenas, a demora da Funai e do MPI para planejar e executar a desintrusão na terra dos Apyãwa tem dado tempo para que os fazendeiros apelem contra a decisão de retirada dos não indígenas do território.
https://terrasindigenas-br.portalmineiro.net/2025/05/brasilia-povos-indigenas-mt/
PIB:Leste do Mato Grosso
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